TUDO BEM NO ANO QUE VEM
               Três sacolas de compras foram o bastante. O Professor deteve-se à porta, remexendo os bolsos do paletó à procura das chaves. Nesta hora, a vizinha buscou uma poltrona e se sentou, cabelos loiros no rosto, as mãos postas. Os ingredientes todos dispostos sobre a bancada e meia peça de faisão empoçando – agora, como prepará-lo? A mulher despertou de seu cochilo com o cheiro de algo queimando. O Professor picou as ervas bem miúdas e lembrou-se de uma antiga garrafa de vinho, guardada entre os agasalhos, longe das vistas da empregada. Ao telefone, ela choramingando à irmã: “Arruinado! Arruinado!” Puf! Abriu-se a garrafa de vinho! A vizinha desceu as escadas em disparada, a tempo de adquirir o último frango com farofa da padaria.
               À noite, o Professor sorriu satisfeito para a sua ceia e pensou que poderia até demitir a empregada se. A loira, em seu vestido longo cor-de-rosa, afirmou à prima que não se servia mais peru em cerimônias chiques do Leblon, conforme lera em uma revista. Perto da meia-noite, o homem aproximou-se da janela e observou a praia tomada pela multidão e o mar negro tombando ondas sobre as pedras do forte. A vizinha ergueu a taça de espumante nacional na direção dos convidados e pensou, sorridente pelo álcool, que aquela era a noite mais feliz de sua vida. Um clique metálico e um estouro foram escutados, vindos do apartamento em frente, por alguém a caminho do elevador, que logo os atribuiu a foguetes de pirotecnia.
               Os fogos queimaram como nunca, estourando em pontas de estrelas no céu. A multidão suspensa pela fumaça encheu-se de esperança com a chegada do novo ano. “Agora, eu acredito”, ouviu-se de alguns na areia da praia, enquanto outros apenas gargalhavam. Na manhã seguinte, o sol veio precoce e farto. As ruas voltaram a se encher de casais enamorados e avós com seus netos, logo cedo na primeira manhã, quando em toda parte pôde-se sentir o avançar de uma incrível onda de felicidade.
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