quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

TUDO BEM NO ANO QUE VEM

               O tempo estira, a noite escava, o mar encurta, o ar é baço. Passados os acontecimentos que se apresentaram um mês antes do Natal, e que à época, sob o luar de novembro, havia considerado incompreensíveis e somente após refletir sem trégua por intermináveis madrugadas de chuva, conseguira enfim apurar uma saída elegante para a questão, ele então decidiu-se por passar o final do ano recluso em seu apartamento. No último dia, almoçou atum e alcaparras, deixados pela empregada que mais cedo lhe desejara, com um aceno da porta, boas entradas, e rapidamente estalara o trinco, encerrando-o em silêncio e pratos sujos sobre a pia. Ainda à mesa, vasculhou com finos olhos a estante de livros, procurando eleger com qual daqueles passaria o restante das horas, até a chegada do ano, quando capturou-o a lombada gasta de um raro exemplar de “O banquete”, e ele então ergueu-se e anunciou a si próprio que prepararia uma ceia. “Com champanhe francês e um faisão”, disse alto, já a caminho do elevador, fazendo girar em sua direção a cabecinha amarela-ouro da vizinha que chegava das compras, espumante nacional e peru congelado pesando entre pulseiras igualmente douradas de seus braços. Ao que ela ainda gritou “feliz ano novo, Professor”, mas o outro já acelerara em direção ao térreo, sem paradas no trajeto. No supermercado, correu à sessão de importados. Na cozinha de seu apartamento, entre pacotes úmidos de salgadinhos e travessas enegrecidas de prata, a vizinha releu as instruções no rótulo do peru, com olhos franzidos. Ao lado, a sala e os quartos do Professor inflaram de ventania e sal marinho por um basculante esquecido aberto pela empregada e, súbito, um raro exemplar de “O banquete” ameaçou o desequilíbrio, mas foi contido no ato por um raro exemplar de “Mênon”, este último seguro pelos pré-socráticos.
               Três sacolas de compras foram o bastante. O Professor deteve-se à porta, remexendo os bolsos do paletó à procura das chaves. Nesta hora, a vizinha buscou uma poltrona e se sentou, cabelos loiros no rosto, as mãos postas. Os ingredientes todos dispostos sobre a bancada e meia peça de faisão empoçando – agora, como prepará-lo? A mulher despertou de seu cochilo com o cheiro de algo queimando. O Professor picou as ervas bem miúdas e lembrou-se de uma antiga garrafa de vinho, guardada entre os agasalhos, longe das vistas da empregada. Ao telefone, ela choramingando à irmã: “Arruinado! Arruinado!” Puf! Abriu-se a garrafa de vinho! A vizinha desceu as escadas em disparada, a tempo de adquirir o último frango com farofa da padaria.
               À noite, o Professor sorriu satisfeito para a sua ceia e pensou que poderia até demitir a empregada se. A loira, em seu vestido longo cor-de-rosa, afirmou à prima que não se servia mais peru em cerimônias chiques do Leblon, conforme lera em uma revista. Perto da meia-noite, o homem aproximou-se da janela e observou a praia tomada pela multidão e o mar negro tombando ondas sobre as pedras do forte. A vizinha ergueu a taça de espumante nacional na direção dos convidados e pensou, sorridente pelo álcool, que aquela era a noite mais feliz de sua vida. Um clique metálico e um estouro foram escutados, vindos do apartamento em frente, por alguém a caminho do elevador, que logo os atribuiu a foguetes de pirotecnia.
               Os fogos queimaram como nunca, estourando em pontas de estrelas no céu. A multidão suspensa pela fumaça encheu-se de esperança com a chegada do novo ano. “Agora, eu acredito”, ouviu-se de alguns na areia da praia, enquanto outros apenas gargalhavam. Na manhã seguinte, o sol veio precoce e farto. As ruas voltaram a se encher de casais enamorados e avós com seus netos, logo cedo na primeira manhã, quando em toda parte pôde-se sentir o avançar de uma incrível onda de felicidade.

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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A sina

Preciso não voltar a fumar
Preciso colocar o pato purific na privada
Preciso comprar lâmpadas para o banheiro
Preciso limpar o filtro do ar
Preciso arrumar uma casa
Preciso casar
Preciso gastar menos
Preciso jogar fora as garrafas velhas
(as de vinho e as de água)
Preciso dar o skate para meu filho
Preciso andar de patins
Preciso pagar a fatura do banco do brasil (para poder usar cartão)
Preciso repetir tudo de novo....

saco

Assina, Aniele

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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O Natal de Fernando

*Isso é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais, terá sido mera coincidência.*    Ritmo: drum n bass


- Filho da puta!
Acordou sobressaltado e confuso tentava explicar-se de onde viera aquele grito, já que sonhava estar sendo suspenso por lava quente que brotava bem do meio do seu cu.
Pesaram-lhe as pálpebras e retomar o sono lhe foi irresistível. Agora sonhava poder aspirar, engolir e cuspir gente por quem passasse na rua.

- Há há hááááá hahahahaha Filho da puuuuuuuuuutaaaaaaaaa!
Sentou-se na cama tão imediatamente que ainda mantinha os olhos fechados. Engasgou e perdeu o ar. Sentia o coração quase sair pela boca, depois pelas têmporas. Ficou muito tonto.
- Huá! Ta com medinho! É viadinho!
- É viado, todo mundo aqui já sabe disso.
- Olha lá... Cagão. Viado tem que morrer!
Blharg, tinha a boca muito seca. Levantou-se e pôs-se a correr para qualquer lugar onde não fosse possível ser visto. Como lhe haviam descoberto? E onde estavam naquele momento? Entrou no banheiro.


- Viu? Se escondendo...
- Se mijou! Se mijou todo! Huahahahahaha
- Hahahahahahaha

Sentiu suas calças molharem e o incômodo que isso trazia. Saiu correndo de novo.
- Socorro! - disse com a voz fraca do sono e do medo.
- Socoooorro! Gritou, entre dentes cerrados.

- Não é o filho da Marilene?
- Aquela que fazia programa?
- Marilene fazia programa. Marilene fazia programa. Marilene fazia programa.
Todos gritaram: – Marilene fazia programa! Marilene fazia programa!

Tremia dos pés à cabeça. Pareciam-lhe serem dois ou três. Talvez cinco. E como eram capazes de lhe dizerem coisas tão perversas? - Marilene não fazia programa. -Mamãe não fazia programa! -Não fazia programa!

- Mas que diabos ele tá fazendo com esse chinelo na mão?
- Vai ver vai se bater. Deve estar arrependido de ter comido a própria mãe. 

Reconheceu então tratar-se da voz de Olga. Ela de novo. Olga. De novo atrás dele.

- Comeu a própria mãe! -disse um deles.
- Comeu e gostou. - arrematou um segundo.
- Fernando da Costa Gonçalves: Pederasta e incestuoso.

A janela. A janela. A janela.
Correu e guiou-se pela luz do lado de fora.

- Fernando da Costa Gonçalves: Pederasta e incestuoso!
- Filho da puuuuuuuta!
- Incestuoso.
- ...da puuuuuta!
- Marileeeeneeee?
- Incestuoso!
- Pederasta e filho da puta!

Arrebentou a porra do vidro da janela com uma e depois com a outra mão.
Sujou a testa com sangue, tentando secar-lhe o suor.

- Corre não, filho da puta, corre não!

Agarraram-lhe: dois pelos braços, um pelas pernas. Debateu-se o quanto pôde. Aliviou a secura da boca com um pouco do sangue das mãos.
Debateu-se o quanto pôde.

Sentiu que lhe injetavam veneno no braço direito. Um chip de controle no braço esquerdo. Sentiu dor.

Pesaram-lhe as pálpebras e retomar o sono lhe foi irresistível. Teve braços e pernas contidos por faixas de pano.

- Porra Fernando, vê se dorme agora, caralho.

Ainda pôde ouvir a TV da enfermaria: “Já é Natal na Lider Magazine...”

Pensou no Natal.
Depois em Dona Marilene.

Dormiu.

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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

E no Natal voce...

Já é Natal nos nossos corações. A época de paz e felicidade. A época das famílias unidas e reunidas. Legal que devamos sentir paz e felicidade no Natal. Não vale você se sentir triste, melancólico ou talvez inquieto. Não sai do padrão. Pensa quanto você vai se sentir ¨feliz¨ com tantos presentes. Pensa quanto você vai ¨fazer alguém feliz¨ dando aqueles presentes. É então a época da solidariedade. Mas é só nessa época, não se atreva pensar nisso fora do Natal. Nem pensar. Não deixe essa solidariedade aflorar a destempo, para isso você tem o Natal. O resto do ano seja individualista, compita, entre na amoral luta pelo trabalho e sobrevivência. Pense nos seus interesses e faça tudo o que for possível para conseguir os seus objetivos. Trabalhe o ano inteiro e se submeta a qualquer condição de trabalho para poder pagar os presentes e o peru de Natal. Se arrisque, seja audacioso sempre, pois o que você é depende muito do que você atinge para você. Isso será muito admirado pela sua família na hora da reunião familiar. Esboce um sorriso. Seja falso, faz parte, pois é hora da paz. Não vai querer brigar nesta época, não.
Não se esqueça de fazer sua obra de caridade. Escreva uma carta para aqueles que não têm nada, de alguns brinquedos para essas crianças que viu na televisão, divida um pouco dessa comida, sinta pena por aqueles que estão pedindo dinheiro nas ruas, indigne-se com a pobreza das crianças e daqueles que não vão poder ter um Natal “como deve ser”. É agora! Aproveite! Nesta época você pode pensar no outro, está permitido.
Goste do Natal, faça sua arvore, compre muitos presentes, de umas risadas, coma bastante e no dia seguinte guarde esses sentimentos para o próximo ano. Já é Natal!

(ps. Como a autora do post anterior também deve fazer algumas manifestações: Primeiro devo pedir desculpas em caso de uso incorreto do português, pois não é o meu idioma materno; e segundo, adoro Natal na essência que aprendi na minha infância e não com as "obrigações impostas")

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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Espírito de Natal

Já é Natal na Leader Magazine

Então é hora da gente aproveitar...



Enquanto o jingle da loja de departamentos toca, vemos um jovem casal parado em meio a várias araras de roupas. Ele tem penduradas nos braços tantas bolsas de lojas que poderia ser confudido com alguma das araras. Ela está descabelada, também segura algumas bolsas. Ambos parecem cansados.

O jingle se repete, como se fosse lavagem cerebral.


- Estou aproveitando muito.

- Meu amor, calma. A gente já vai embora.

- Você desisitiu?

- Não, né? Depois de passar o sábado inteiro nesse shopping, nós só saimos daqui com todos os presentes comprados! Mas eu já vou achar a regata de malha fria canelada azul turquesa. A atendente disse que deve estar nessa parte das roupas devolvidas.

- Porque sua tia escolheu uma roupa que tende a ser devolvida pelas pessoas normais?

- Maurício...

- Você que disse...

- Para de reclamar e fazer chacota com a tia Amélia. Pelo menos minha tia escolheu um presente baratinho. Pensa no quanto você gastou naquele batom importado da sua nova cunhadinha. Seu irmão não falou para ela que tinha uma média de valor para os presentes no amigo oculto da família?

- Você conhece ele com as novas namoradas: não fala nada e deixa elas se fazerem com ele. Mas economizamos tempo na loja de perfumes, como tudo lá é caro a loja não fica cheia e ainda atendem bem os incautos que lá entram. E você bem que gostou e aproveitou para levar aquele perfume para você. Quer uma regata de malha gelada daqui?

- (Rindo) Não. Quero um cd com esse jingle insistente e grudento. Nada mais de White Christmas ou Boas Festas nas festas da família. Vamos cantar "Já é Natal na Leader Magazine"!

- Isso. E eu vou ensaiar os gêmeos do Fabio para cantar em ritmo de pagode. Serão a sensação da noite! Quem sabe meu tio João até desiste do discurso anual sobre a invenção católica do Natal, na hora da Missa do Galo. Agora acha logo essa blusa, ainda temos que enfrentar a fila do caixa.

- E a da praça de alimentação, estou faminta.

- E a do estacionamento.

- Ai, porque sempre deixamos as compras de Natal para o último dia?

- Porque no fundo acreditamos no meu tio e tentamos boicotar o Natal de compras.

- Mas, no final, nos rendemos... Seu tio está certo, tudo começou com o controle da Igreja e hoje é uma questão de controle do mercado. Se a Coca-Cola não tivesse vendido a imagem do Papai Noel...

- Luiza, guarda as teorias conspiratórias para discutir com o tio João amanhã à noite. Se concentra em achar a camiseta congelada da turquia. Compra logo duas, uma já fica guardada pro ano que vem.

- Achei!

- É bom você se apressar... Já são quase dez da noite, vão fechar o shopping!

- Ai meu Deus! Corre Maurício, ainda faltam os presentes dos seus pais, do meu irmão, da tia Carlota, do nosso porteiro, os ingredientes para o pavê de Sonho de Valsa, os...

O jovem casal fica mais de 20 minutos na fila do caixa. E mais 4 horas no shopping. Maurício se esqueceu da operação Natal: o shopping não fecha na antevéspera do Natal!

Já é Natal na Leader Magazine
Então é hora da gente aproveitar
Tem 12 meses pra pagar, pode parcelar
É bom você se apressar

(Declaração de conflito de interesses: a autora deste pequeno diálogo ficcional declara que não recebeu qualquer benefício da loja citada no texto. Nem achou na loja a camisa verde com uma caveira bordada em azul metálico que seu amigo oculto pediu. Comprou uma branca básica e espera que ele use no reveillon e não como pano de chão. A malha é boa!)

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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

UM QUARTO, UM DEZEMBRO

               Pontada fina no peito. Quando vinha daquele jeito, apenas um segundo de dor inconsolável e era como se jamais houvesse existido Deus – naquela hora, era bom parar. Procurar repouso no dia ainda em curso, a julgar pelos filetes em amarelo e vermelho que se atreviam entre as traves entreabertas da veneziana. Na praia, uma ave deveria se preparar para alçar vôo, primeiro alinhando as asas na direção do horizonte, depois firmando as patas para o impulso e então, quase magicamente, ir ganhando altitude, até sentir no rosto o vento gelado que corre por sobre as montanhas. Gordas macilentas, ao redor, boiariam nuvens de algodão, enfileiradas feito manadas de elefantes. Acima de tudo isso, um meteoro, o mais célere, deter-se-ia no ar, cerrado em Sua mão! Pronto. Estava rodeada de conforto. E a dor, esta não tinha mais importância. Estava tranqüila, aquecida novamente por Seu amor. O que viria depois? Súbito, sentiu puxarem-na com força. Era a enfermeira, a negra e gorda de palmas grossas, quem lhe estendia o braço para fora do leito, até que um ardor velozmente alastrou-se até o ombro. Foi então que a ave, as nuvens, o meteoro, Deus, tudo recuou para além do seu alcance naquela cama, naquele quarto, naquele hospital, naquele famigerado dezembro que jamais cumpriria a sua transmutação em janeiro claro, de dias impecáveis de sol. Morria. Ninguém mais duvidaria daquilo. Até mesmo a doce irmã, de invejável confiança nos desígnios Dele, já viera se despedir, mais cedo, ao lhe trazer flores-do-campo e palavras de fé, quando, em um breve instante, a tristeza em seu olhar tremulou, fitando o vazio.
               Despertou no plantão noturno. Aquilo já não tinha mais o mesmo efeito, o de lhe roubar a consciência por dias. Sabia do horário pelo chiado monótono do radinho de pilha que o enfermeiro costumava escutar até adormecer, exausto, esquecendo-se das medicações. Umas canções enjoativas, algumas indecorosas, impregnaram o ambiente por alguns minutos. Uma loja de departamentos anunciou que já era Natal. Natal. Como poderia ter se esquecido? E, naquela noite, quando a dor no peito veio mais forte, lembrou-se de aves, de nuvens, de meteoros sobrevoando a cidade estrelada de janelas e varandas, com gosto de celebração natalina no ar, e pensou aliviada que naquela hora ela também nascia.

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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Foi demais!

A mulher que amava demais, comía demais, bebia demais, fumava demais e trabalhava demais. No seu dia a dia acordava cedo demais, mas chegava tarde demais. As vezes, mulher que amava demais, malhava demais e nos finais de semana, dormia demais. Além de tudo era espiritual demais e chorava demais.

Para os seus amigos ela era alegre demais e otimista demais. Para seu namorado , ela era boa demais, por isso ele a deixou por outra que era boa-de-menos. Para seus pais, ela era ingenua demais. Para o seu analista ela era neurotica demais. Para seu psiquiatra era maniaca demais. No final, para ela essas coisas nao importavam mais, pois no final, o único que ela queria era nao viver demais.

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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

So take a look at me now...

Quando se atreveu a sair de casa, após dias enclasurada junto a tristeza, melancolia, choro e falta de apetite, descobriu que o mundo a sua volta continuara rodando, apesar de todo o seu sofrimento. Ele lhe deixara só, após 5 anos de vida conjugal. Conjugal, isto é, vida conjugada. Ela conjugara a sua vida a dele. Dedicara-lhe seu amor, sua atenção, seu tempo, sua decisões. Deixara de ser independente para se tornar dele. Por cinco anos se sentiu uma personagem de romances românticos, uma mulher cuja vida dependia do homem de sua vida. Vivera feliz, da forma como durante anos, cética, duvidara que houvesse fora dos romances e filmes. Adorava dizer que ele era "seu senhor", num chiste que carregava toda verdade de seu sentimento de entrega.
Mas ele foi embora. Dizendo que amava mas que estava insatisfeito, triste, em crise de 37 anos. E ela nem conseguiu odiá-lo. Só chorou. Lembrou-se de uma sensação infantil, de abandono, um medo que devia ter sentido quando bebê. Ele lhe proporcionara os dias mais felizes de sua vida, para terminar com os mais tristes. Uma semana de tristeza profunda, de Tylenol diário para dor de cabeça, de pensar em um Rivoltril para fingir esquecer. Ela não era do tipo que queria esquecer. Queria chorar, chorar, chorar, imaginando que aquilo tudo fosse um pesadelo, que iria acordar para encontrá-lo dormindo ao seu lado, como sempre. Como nunca, a partir de então.
Chorou por sete dias, amparada pela família, amigos e pelo Tylenol. Se alimentou de chocolates da Kopenhagem, um prazer que era puro gozo, pois comia desejando vê-lo adentrar o apartamento e sorrir dizendo que então era assim, facilmente substituído por um bombom de licor, e então abraçá-la e beijá-la, dizendo que nunca mais cometeria o desatino de deixá-la.
Ele não apareceu, escreveu 3 emails e uma mensagem de celular perguntando se ela estava bem. Ela respondeu apenas, Não. Com amor., e um verso de Against all Odds, porque nenhuma canção mais elaborada vinha a sua cabeça como traduação da sua dor. "As canções mais tolas, tendo seus defeitos, sabem diagnosticar, o que vai no peito." Ela já lhe citara os versos de Lulu Santos, sabia que ele entenderia os de Phil Collins, mesmo não gostando muito de nenhum dos dois. Agora, pelo visto, também não gostava muito dela.
Mas hoje ela precisava trabalhar. Não podia mais faltar. Não podia arriscar perder seu emprego, após perder o amor. Vestiu-se da melhor forma possível, para parecer melhor do que estava, o que acabava entregando tudo de forma contrária. Chorou um pouco na frente do espelho, desejando de forma mágica que aquelas fossem as últimas lágrimas. A dor em algum lugar no meio do seu corpo a lembrava de que ainda seriam necessárias muitas lágrimas para aplacar aquilo que parecia um buraco interior. Engraçado como se pode sentir dor só emocional. Não havia lesões, machucados ou cortes aparentes no seu corpo. Mas em algum lugar, nem bem interno, nem bem externo, no corpo mesmo, só que sem aparecer, ela estava simplesmente despedaçada. Quando se doa si própria a um outro e esse outro um dia simplesmente vai embora de você, é como se o corpo se esvasiasse, como se fosse só uma fantasia, uma capa, a ser preenchida. Ele a prenchera durante cinco anos. Mas, como com o Elefante de Drummond:
"caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolvee todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual muito desmontado. "
O amor dele fora sua cola, mas secara. E agora, ainda que desomoronada e catando pedaços emocionais de si mesma, precisava recomeçar. E o amanhã já era hoje. O mundo, na sua microsfera carioca, não esperava por ela, as pessoas passavam sem nem mesmo notar-lhe os olhos vermelhos, as lágrimas furtivas. Sozinha de novo teria de se haver com a sua vida inserida nesse Rio, onde até o sol e o céu azul pareciam desdenhar de seu sofrimento. Tinha um ônibus para pegar.
(Este texto é uma repostagem.)

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O PRIMEIRO DIA

        Amava em excesso, resumira a irmã mais velha, a quem também o café era ralo e servido em xícaras minúsculas. Tomara um, dois goles e sua boca entreaberta estranhou o hálito quente da xícara vazia, precipitando-se tão precocemente sobre o hálito quente de sua boca entreaberta, ao que a outra irrompeu de uma breve pausa, recuando a xícara dos lábios em ventosa. Se quiser mais, posso fazer. Respondeu que tanto fazia e viu a irmã se distanciar em direção à cozinha, depois de ajeitar a camisola entre as pernas e içar as xícaras nos ganchos dos indicadores. Perto da porta, sua mala interrompia a passagem. Coloca no quarto, ouviu sem ouvir, pois por um instante escutou o que pensou alto, dentro da cabeça. Que jamais sentira tanta sede na vida. Pombas, você está me ouvindo? Paciência. Também, que idéia a sua: vir procurá-la depois de despertar no bar fechado, até para o mais fiel bêbado, já sem casa, filhos, vida – já sem o seu amor. Mas é que não tinha mais para onde ir, conformou-se, lembrando-se não sem um arrepio de hotéis baratos na Lapa com vagas para moças. O café veio ainda mais ralo e, desta vez, biscoitinhos. A irmã olhou para a mais jovem, que se debruçara sobre a mesa, e murmurou, ponderada, piedosa: amava demais. E esvaziaram as minúsculas xícaras com dois longos goles.

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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Começou!!

Um tema, seis autores, um convidado por semana. Servir gelado - ou pelando. Interessa? Então, pode vir. Prosas curtas, coloridas artificialmente. Este é o slogan. Há outros - cinco, para ser mais exato - que ainda virão, sempre com uma piadinha fazendo alusão a uma certa bala sabor framboesa. Vamos adoçar a sua vida. É, tornar seus problemas mastigáveis, embalar seu sonho cor-de-rosa, grudar nas suas obturações, tamanho o nosso amor. Pode chegar, esqueça nossas calorias. Somos o passatempo de sua viagem. As crianças adoram. As vovós querem mas não podem mais. Juquinha, que nada! Somos mais o Se7e Belo!