quinta-feira, 30 de julho de 2009

Meu fim

Meu fim. Assunto delicado para acertarmos assim, num golpe certeiro de algumas frases trocadas em um dia sem importância de um julho leviano. Voltarei mais tarde a isto, antes pedirei ao rapaz que traga mais água e talvez vinho. E tarte au fraises, uma fatia. Fazia algum tempo que não vinha aqui e eis os mesmos vultos com os cotovelos enfiados nas mesas, o mesmo rapaz de avental manchado de gordura, uma e outra adolescente de olhos gastos flertando com ele, o mesmo cardápio tão fora de moda. Tarte au fraises, francamente! Ultimamente em todos os lugares servem cerejas ou ameixas. Negras de tanto sumo rubro e com o mesmo exato efeito sobre o paladar, uma acidez delicada que vai ao doce com a diluição em saliva e por fim... é só. O que me lembra o que eu dizia. Meu fim. Em breve, muito em breve. Aguarde. A vida também foi para mim de uma acidez delicada e também foi doce, mas olhando daqui, a ponto de partir, creio que foi um rastro vermelho em líquido transparente, breves lembranças de amigos e amantes dissolvidas na mente entre aquilo que certa dama ousou vestir em um jantar requintado ou um telefonema urgente que nunca consegui realizar. Futilidades. Você sabe, telefonemas nunca foram o meu forte. A você, no máximo, poucas palavras trocadas na saída do escritório e já a pressa de partir era grande. Horas depois, eu o via chegar a nossa casa dizendo não entender tanta pressa. Só o hálito rescindindo a álcool barato e a camisa amassada no colarinho tentavam alertar-me de algo que eu já sabia e, acredite, até mesmo consentia, pois antes me ocupava do horror que vinha toda noite atentar o recato das cortinas do nosso quarto. Agora percebe? Meu fim. Muito, muito próximo, querido. Mas para você é um recomeço possível e talvez até uma moça o encontre. Na saída de um bar ou em um lugar da moda, enevoado pelo vinho. Como seus pais tantos queriam. Aí vocês se casam e têm filhos gordos e, quem sabe, um magrelo com o olhar perdido e triste como o seu. Como o que me acertou em cheio naquela repetição de vadios e viciados que dançavam naquela boate e consumiam bebidas amargas, sexo rápido e drogas sintéticas. Lá, onde só havia você, magrelo, dançando e me olhando de um jeito que. Me comoveu, sabe? Não entendia o por quê. Eu então virei um só querer você, querer o seu olhar dentro do meu. Como duas galáxias que se fundem, você dentro de mim, em meio às estrelas! Dali, o seu olhar me seguiu, mesma rua, mesmo trabalho, mesmo escritório, mesmo apartamento, mesma cama. Muito, muito próximo. Querido: como poderíamos sobreviver a isso? Cedo ou tarde. Tarde demais para um de nós. O fim. Próximo, lentamente próximo. Querido. Um dia, será também a sua vez, sabia? Você não estará só. Eu te verei. Você não me lançará o mesmo olhar, perdido e triste, mas saiba que, próximo, tão lentamente e próximo, querido. Eu te verei. Aguarde. Muito próximo. Querido. Eu te verei. Meu fim.

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