Meu fim
Meu fim. Assunto delicado para acertarmos assim, num golpe certeiro de algumas frases trocadas em um dia sem importância de um julho leviano. Voltarei mais tarde a isto, antes pedirei ao rapaz que traga mais água e talvez vinho. E tarte au fraises, uma fatia. Fazia algum tempo que não vinha aqui e eis os mesmos vultos com os cotovelos enfiados nas mesas, o mesmo rapaz de avental manchado de gordura, uma e outra adolescente de olhos gastos flertando com ele, o mesmo cardápio tão fora de moda. Tarte au fraises, francamente! Ultimamente em todos os lugares servem cerejas ou ameixas. Negras de tanto sumo rubro e com o mesmo exato efeito sobre o paladar, uma acidez delicada que vai ao doce com a diluição em saliva e por fim... é só. O que me lembra o que eu dizia. Meu fim. Em breve, muito em breve. Aguarde. A vida também foi para mim de uma acidez delicada e também foi doce, mas olhando daqui, a ponto de partir, creio que foi um rastro vermelho em líquido transparente, breves lembranças de amigos e amantes dissolvidas na mente entre aquilo que certa dama ousou vestir em um jantar requintado ou um telefonema urgente que nunca consegui realizar. Futilidades. Você sabe, telefonemas nunca foram o meu forte. A você, no máximo, poucas palavras trocadas na saída do escritório e já a pressa de partir era grande. Horas depois, eu o via chegar a nossa casa dizendo não entender tanta pressa. Só o hálito rescindindo a álcool barato e a camisa amassada no colarinho tentavam alertar-me de algo que eu já sabia e, acredite, até mesmo consentia, pois antes me ocupava do horror que vinha toda noite atentar o recato das cortinas do nosso quarto. Agora percebe? Meu fim. Muito, muito próximo, querido. Mas para você é um recomeço possível e talvez até uma moça o encontre. Na saída de um bar ou em um lugar da moda, enevoado pelo vinho. Como seus pais tantos queriam. Aí vocês se casam e têm filhos gordos e, quem sabe, um magrelo com o olhar perdido e triste como o seu. Como o que me acertou em cheio naquela repetição de vadios e viciados que dançavam naquela boate e consumiam bebidas amargas, sexo rápido e drogas sintéticas. Lá, onde só havia você, magrelo, dançando e me olhando de um jeito que. Me comoveu, sabe? Não entendia o por quê. Eu então virei um só querer você, querer o seu olhar dentro do meu. Como duas galáxias que se fundem, você dentro de mim, em meio às estrelas! Dali, o seu olhar me seguiu, mesma rua, mesmo trabalho, mesmo escritório, mesmo apartamento, mesma cama. Muito, muito próximo. Querido: como poderíamos sobreviver a isso? Cedo ou tarde. Tarde demais para um de nós. O fim. Próximo, lentamente próximo. Querido. Um dia, será também a sua vez, sabia? Você não estará só. Eu te verei. Você não me lançará o mesmo olhar, perdido e triste, mas saiba que, próximo, tão lentamente e próximo, querido. Eu te verei. Aguarde. Muito próximo. Querido. Eu te verei. Meu fim.
Marcadores: Felipe
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