FECHE OS OLHOS

               O apartamento olhava a avenida. Ele pensava. Que o que o apartamento olhava já não se coloria do azul mais alvo e horizontal que recortava a acidentada silhueta urbana às margens das antenas de pára-raios. Tão afundado na cidade, que o caminhante olhar, ascendendo entre pavimentos de varandas, súbito ansiaria pelo céu como uma prece desesperada. Ele pensava, a noite caindo pelos vãos dos prédios, vazando sob os viadutos, escorrendo por túneis até o velamento espesso do olhar. Que um dia alguém atravessaria a avenida, subiria pelas escadas de madeira podre e chegaria a sua frente, as sombras a persegui-lo como as nuvens seguem o sol. E só a luz metálica e o ruído dos carros ofenderiam o antigo silêncio. Ele pensava, a fenda na janela, o fino frio, a gota desfeita em ar. Que seus olhos buscariam os do outro refletidos na escuridão.

(Tema da semana: “Feche os olhos”).