quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Um dia talvez contasse aquela história a seus netos. Não aos filhos, eles não entenderiam, mas os netos talvez, estariam distanciados pelo tempo, protegidos de julgamentos morais, ciúmes e outros sentimentos que por vezes turvam a compreensão.
Nem ela compreendia como pudera se apaixonar por um homem com um olhar. Como pudera viver o vislumbre de um romance, de uma outra vida, de outras possibilidades, em uma mera troca de olhares e palavras, no meio de uma rua movimentada, cheia de pessoas, barulhos, fuligem e calor.
Mas foi assim, numa tarde quente e ensolarada, em pela Avenida Rio Branco no Rio de Janeiro, que ela, casada com Otávio, mãe de Rafael, 5 anos e Helena, 3 anos, professora universitária de História, saindo da livraria Da Vinci, onde regularmente ia comprar livros, contente com o dia apesar de todo o calor, nesse dia comum, ela foi surpreendida por uma pergunta.
- Por favor, você pode me ajudar?
Parou e olhou para ele. Vestia terno preto, sapatos idem, uma mochila, o típico traje dos jovens executivos e advogados no Rio. Devia estar na casa dos 30, como ela. Não entendeu porque alguém tipicamente vestido estaria pedindo ajuda. Não devia ser para inteirar o almoço. Quase ao mesmo tempo, enquanto escrutinava a vestimenta e tentava entender a causa do pedido de ajuda, olho em seus olhos. E quase não conseguiu sair deles.
Ele sorriu ao seu olhar e demorou para falar.
- Preciso chegar à rua do Rosário, esquina com a Quitanda. Estou longe?
Só então ela percebeu o sotaque, mineiro, talvez. E começou a raciocinar.
- Não está longe, continue pela Rio Branco, mais a frente você verá a placa indicando a rua do Rosário, entre a sua direita e siga, pouco depois você já estará na esquina, lá também tem placa.
E sorriu, realmente achando divertido que aquele homem tivesse parado para perguntar algo tão simples, pois ele já estava no caminho.
Ele também sorriu.
- Um amigo me indicou vir de metro, mas sai na estação errada e já faz anos que não vinha ao Centro do Rio. Obrigado!
Todo o tempo mantiveram contato visual, como se nestes instantes só houvessem eles na calçada, como se estivessem perdidos num lapso de tempo-espaço. De repente precisava acabar, precisavam voltar para a rua cheia de gente, o calor, o barulho, mas se deram mais um instante.
- Por nada, você já estava no caminho certo.
Ele mexeu os ombros, ela ajeitou a bolsa. Eram os sinais de que o encontro tinha acabar. Nunca mais se veriam, não saberiam histórias um do outro. Mas já tinham uma história em comum. Naquele brevíssimo encontro, tiveram o vislumbre de tudo o que não tinham, tudo que faltava. Ela tinha seus amores, seu marido, filhos, amigos e família, trabalho, e ainda assim nunca estava satisfeita. Naquela tarde, ao olhar aquele executivo mineiro perdido no Centro do Rio, ao aproximar-se dele, entendeu que sempre haveriam outras escolhas, outras histórias, e que elas sempre fariam falta, uma falta constitutiva, impossível de ser preenchida. Ele, um desconhecido, lhe faria falta.
Ele disse um muito obrigado, estendeu a mão. Tocaram-se num aperto de mãos. Sorriram um pouco mais, com a cumplicidade de quem troca segredos. Desviaram os olhares e se foram. Cada um com a sua falta, agora identificada na imagem de uma história de amor vislumbrada mas nunca realizada.

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